John Wesley
'E dizia a todos:
Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e
siga-me'. (Lucas 9:23)
I.
O significa um homem negar a si mesmo, e carregar sua cruz.
II.
Se um homem não for completamente discípulo de Cristo, será sempre devido à
falta disto.
III.
Conclusão.
1.
Tem sido freqüentemente imaginado que a direção dada aqui se refere,
principalmente, se não completamente, aos Apóstolos; pelo menos, aos cristãos
dos primeiros séculos, ou àqueles em uma condição de perseguição. Mas este é um
erro grave; porque, embora nosso abençoado Senhor esteja aqui dirigindo seu
discurso mais imediatamente aos seus Apóstolos, e aos outros discípulos que o
atenderam, nos dias de Sua carne; ainda assim, nele, Ele fala a nós, e a toda
humanidade, sem qualquer exceção ou limitação. A mesma razão da coisa em si
coloca isto além de disputa; de modo que o dever aqui ordenado não é peculiar a
eles, ou aos cristãos dos primeiros tempos.
Ele não diz mais respeito a alguma ordem particular de homens, ou tempo
particular, do que a uma região em particular. Não: Ele é de uma natureza mais
universal, concernente a todos os tempos, e a todas as pessoas; sim, e a todas
as coisas; não às carnes e bebidas apenas, e todas as coisas pertinentes aos
sentidos. O significado é, 'Se algum
homem', qualquer que seja a classe, posto ou circunstâncias, em alguma
nação, em qualquer época do mundo, efetivamente 'vier após mim, que negue a
si mesmo', em todas as coisas; e 'tome sua cruz diária', qualquer
que seja ela; sim, e isto 'diariamente; e me siga'.
2. O
negarmos a nós mesmos, e tomarmos nossa cruz - na extensão completa da
expressão - não é uma coisa de pequeno interesse: Não é expediente apenas, como
são algumas circunstanciais da religião; mas é absolutamente e
indispensavelmente necessário tanto para começarmos quanto para continuarmos
suas disciplinas. É absolutamente necessário, na mesma natureza das coisas,
para nosso vir após Ele e segui-lo, de tal maneira que, por quanto tempo não
estivermos praticando isto, não seremos seus discípulos. Se nós continuamente
não negarmos a nós mesmos, nós não aprenderemos Dele, mas de outros mestres. Se
nós não tomarmos nossa cruz continuamente, nós não poderemos segui-lo, mas
seguiremos o mundo, o príncipe do mundo, ou nossa mente mundana. Se nós não
estivermos caminhando no caminho da cruz, não poderemos continuar a segui-lo;
nós não estaremos trilhando em seus passos; mas estaremos caminhando atrás, ou
pelo menos, muito afastado, Dele.
3.
É por esta razão, que tantos Ministros de Cristo, em quase todas as épocas e
nações; particularmente, desde a Reforma da Igreja, das inovações e corrupções
que gradualmente moveram-se dentro dela, escreveram e falaram tão largamente
sobre este dever importante, ambos em seus discursos públicos e exortações
privadas. Isto os induziu a difundir amplamente muitos tratados sobre o
assunto; e alguns em nossa própria nação. Eles conheciam, ambos dos oráculos de
Deus, e do testemunho de suas próprias experiências, quão impossível seria não
negar nosso Mestre, a menos que negássemos a nós mesmos; e quão futilmente,
tentaríamos seguir Aquele que estava crucificado, a menos que tomássemos nossa
cruz diariamente.
4.
Mas esta mesma consideração não torna razoável inquirir, se muito já tem sido
dito ou escrito sobre o assunto, que necessidade existe de não se falar ou
escrever mais? Eu respondo que não existem números insignificantes, mesmo das
pessoas tementes a Deus, que não tenham tido oportunidade, tanto de ouvir o que
tem sido falado, quanto lido o que tem sido escrito sobre ela. E, talvez, se
eles tivessem lido muito do que tem sido escrito, eles não poderiam ter sido
tão proveitosos. Muitos que têm escrito (alguns deles, largos volumes)
pareceram, de modo algum, terem entendido o assunto. Tanto eles tinham visões
imperfeitas da própria natureza dela (e, então, eles nunca puderam explicá-la a
outros), quanto eles estavam alheios à extensão devida dela; eles não viram o
quanto esta ordem é excessivamente ampla; ou eles não estavam conscientes da
sua absoluta e indispensável necessidade. Outros falam dela, de uma maneira tão
obscura, tão perplexa, tão intrincada, tão mística, como se eles designassem
preferivelmente dissimulá-la no vulgar, do que explicá-la aos leitores comuns.
Outros falam admiravelmente bem, com grande clareza e força, da necessidade da
autonegação; mas, então, eles tratam dos gerais apenas, sem virem para as
instâncias particulares, de modo que elas são de pouco uso para a grande massa
da humanidade; para os homens de capacidade e educação comum. E se alguns
desses desceram aos pormenores, foi para esses apenas que não afetam a
generalidade dos homens, uma vez que eles raramente, se alguma vez, ocorreram
na vida comum, -- tal como prisão perpétua, ou torturas; desistir, em um
sentido literal, de suas casas ou terras, seus maridos ou esposas, filhos, ou
da própria vida; para nenhum desses nós somos chamados, nem igualmente
deveremos ser, a menos que Deus permitisse que os tempos de perseguição pública
retornassem. Neste meio tempo, eu não conheço um escritor na língua inglesa que
tenha descrito a natureza da autonegação em termos claros e inteligíveis, tal
como para nivelá-la aos entendimentos comuns, e aplicá-la a esses pequenos
particulares que diariamente ocorrem na vida cotidiana. Um discurso deste tipo
é esperado ainda; e é esperado mais, porque em todo estágio da vida espiritual,
embora exista uma variedade de obstáculos particulares, para que obtenhamos a
graça ou cresçamos nela, ainda assim, todos são resolúveis nesses dois gerais.
-- tanto em negarmos a nós mesmos, quanto em tomarmos nossa cruz.
Com o objetivo de suprir este
defeito em alguns graus, eu devo me esforçar para mostrar:
I.
Em Primeiro Lugar, o que significa a um homem negar a si mesmo, e o que
significa tomar a sua cruz;
II.
Em Segundo Lugar, que se um homem não for um discípulo completo de Cristo, é
sempre devido à falta disto.
I
1.
Em Primeiro Lugar, eu vou me esforçar para mostrar o que é para um homem
'negar a si mesmo', e tomar sua cruz diariamente'. Este é o ponto mais
necessário de ser considerado, e de ser totalmente entendido, com respeito a
todos os outros; até mesmo porque, de todos eles, este é o mais contestado por
inimigos numerosos e poderosos. Toda a nossa natureza deve certamente se erguer
contra isto, mesmo em sua própria defesa; o mundo, e, conseqüentemente, os
homens - que tomam a natureza como seu guia, e não a graça, - abominam o
próprio som dele. E o grande inimigo de nossas almas, bem sabendo sua importância,
não pode deixar de mover cada pedra contra ele. Mas isto não é tudo: Mesmo
esses que têm, em alguma medida, sacudido fora o jugo do diabo, que têm
experimentado, especialmente, nos últimos anos, uma obra verdadeira da graça em
seus corações, ainda não são partidários desta grande doutrina do Cristianismo,
embora ela seja tão peculiarmente insistida pelo seu Mestre. Alguns deles estão
tão profundamente e tão totalmente ignorantes, com respeito a ela, como se não
existe palavra alguma a respeito na Bíblia. Outros estão mais distantes, tendo
absorvido, por descuido, fortes preconceitos contra ela. Estes, eles receberam,
parcialmente, dos cristãos de fora, homens de uma fala e comportamento
uniformes; e que não necessitam de coisa alguma de devoção, a não ser poder;
nada de religião, a não ser espírito; -- e, parcialmente, daqueles que, uma
vez, se ele o fazem agora, 'testaram dos poderes do mundo que há de vir'.
Mas
existem alguns desses que não praticam a autonegação, e recomendam-na aos
outros? Vocês estão pouco familiarizados com a humanidade, se vocês duvidam
disto! Existe todo um corpo de homens que apenas não declaram guerra contra
ela. Para ir não mais além do que Londres: Observem todo o corpo de
Predestinados [Os que acreditam no desígnio de Deus,
pelo qual conduz os eleitos para a bem-aventurança eterna, por oposição à
qualidade ou condição de precito (condenado)], que através da livre misericórdia de Deus tem sido
ultimamente tirado da escuridão da natureza para a luz da fé. Eles são padrões
de autonegação? Quão poucos deles, alguma vez, professaram praticá-la, afinal!
Quão poucos deles recomendaram-na a si mesmos, ou estão satisfeitos com aqueles
que o fazem! Antes, eles não a representam continuamente nas mais odiosas
cores, como se estivessem buscando 'salvação pelas obras', ou buscando 'estabelecer
sua própria retidão?'. E quão prontamente os Antinomianos de todos os tipos
[O Antinomianismo é a doutrina de que, pela fé e a
graça de Deus, anunciadas no Evangelho, os cristãos estão libertos não só da
lei de Moisés, mas de todo o legalismo e padrões morais de qualquer cultura] – dos serenos Morávios [Denominação
protestante, surgida no século XVIII, pela renovação do antigo movimento dos
Irmãos Boêmios, que dá ênfase à vida cristã pura e simples e à fraternidade dos
homens. Mais comumente conhecida como Irmãos Morávios], aos impetuosos Ranters [Apelido
dado aos primitivos Metodistas],
juntaram o clamor, com seus tolos e sem sentidos cantos de legalidade, e
pregaram a lei! Embora vocês estejam em perigo constante de serem persuadidos,
intimidados ou ridicularizados fora desta importante doutrina evangélica, tanto
pelos falsos professores, quanto falsos irmãos (mais ou menos iludidos da
simplicidade do evangelho), se você não está profundamente alicerçado nele;
permita que a oração ardorosa, então, vá antes, acompanhe, e siga o que você
agora está preste a ler, para que possa ser escrito em seu coração, através do
dedo de Deus, de modo que nunca possa ser apagado.
2.
Mas o que é o negar a si mesmo? Em que nós devemos negar a nós mesmos? E por
que motivo, a necessidade disto surge? Eu respondo que a vontade de Deus é a
regra suprema e inalterada de toda criatura inteligente; igualmente,
comprometendo todo anjo no céu, e todo homem na terra. Nem poderia ser ao
contrário: Este é o resultado natural e necessário da relação entre as
criaturas e seu Criador. Mas, se a vontade de Deus for nossa única regra de
ação, em todas as coisas, grandes e pequenas, segue-se, por inegável
conseqüência, que não deveremos fazer nossa própria vontade em coisa alguma.
Aqui, portanto, nós vemos, de imediato, a natureza, com o alicerce e a razão da
autonegação. Nós vemos a natureza do negar a si mesmo: que é o de nos negarmos
ou nos recusarmos a seguir nossa própria vontade, da convicção de que a vontade
de Deus é a única regra de ação para nós. E nós vemos a razão disto, porque nós
somos as criaturas; porque 'foi Ele quem nos fez, e não nós!'.
3.
Esta razão para o negar a si próprio se emprega, até mesmo, aos anjos de Deus
no céu; e ao homem, inocente e santo, uma vez que ele saiu das mãos do Criador.
Uma razão a mais para ela surge da condição em que todos os homens se encontram
desde o pecado original. Nós somos todos agora 'moldados na maldade; e, no
pecado, nossa mãe nos concebeu'. Nossa natureza é completamente corrupta,
em todo poder e faculdade. Toda nossa vontade, pervertida igualmente com o
restante, é totalmente inclinada a ter indulgência, com respeito a nossa
corrupção natural. Por outro lado, não é da vontade de Deus que nós resistamos
e contrariemos aquela corrupção, algumas vezes, ou em algumas coisas apenas,
mas todo o tempo, e em todas as coisas. Aqui, portanto, está um fundamento a
mais para o constante e universal negar a si mesmo.
4.
Para ilustrar isto um pouco mais: A vontade de Deus é um caminho que conduz
direto para Ele. A vontade do homem que corre paralela à vontade do Pai, é
agora um outro caminho, não apenas diferente dele, mas em nosso estado atual,
diretamente contrário a ele. Ele conduz a Deus. Se, portanto, caminhamos em um,
devemos necessariamente desistir do outro. Nós não podemos caminhar em ambos.
De fato, um homem de coração fraco e mãos frágeis pode seguir nos dois
caminhos, um depois do outro. Mas ele não poderá caminhar nos dois ao mesmo
tempo: ele não pode, num determinado momento, e ao mesmo tempo, seguir sua
vontade, e seguir a vontade de Deus: Ele deve escolher uma ou outra; negando a
vontade de Deus, ele irá seguir a sua própria; negando a si mesmo, ele seguirá
a vontade de Deus.
5.
Agora, é certamente prazeroso, para o momento, seguir nossa própria vontade,
cedendo, em qualquer instância que se ofereça, à corrupção de nossa natureza:
Mas, seguindo-a, no que quer que seja, nós estaremos assim fortalecendo a
obstinação de nossa vontade; e por favorecê-la, nós continuamente aumentamos a
corrupção de nossa natureza. De modo que nós podemos freqüentemente aumentar as
enfermidades corpóreas, através do alimento que é agradável ao paladar: Ele
gratifica o paladar, mas inflama a enfermidade. Ele traz prazer, mas também, a
morte.
6.
Do todo, então, negar a nós mesmos é negar nossa própria vontade, onde ela não
se harmoniza com a vontade de Deus; e isto, por mais agradável que ela possa
ser. Ou seja, negar a nós mesmos, qualquer prazer que não surja, ou que não
conduza a Deus; o que significa, em efeito, recusar-se a sair de nosso caminho,
ainda que para um caminho agradável e florido; recusar o que sabemos ser um
veneno mortal, mesmo que agradável ao paladar.
7.
E todo aquele que pretende seguir a Cristo, que pretende ser seu discípulo
verdadeiro, deve não apenas negar a si mesmo, mas tomar sua cruz também. Uma
cruz não é alguma coisa contrária a nossa vontade; alguma coisa desagradável à
nossa natureza. Assim sendo, tomar nossa cruz vai um pouco mais além do que
negar a nós mesmos; ela se ergue um pouco mais elevado, e é uma tarefa mais
difícil para a carne e o sangue; -- uma vez que é mais fácil privar-se do
prazer do que suportar a dor.
8.
Agora, para retornar 'à corrida que se apresenta diante de nós',
concordante com a vontade de Deus, existe freqüentemente uma cruz colocada no
caminho; ou seja, não se trata apenas de uma coisa não prazerosa, mas dolorosa;
alguma coisa que é contrária a nossa vontade; que é desagradável à nossa
natureza. O que, então, deverá ser feito? A escolha é clara: Ou tomamos a nossa
cruz, ou nos desviamos do caminho de Deus; 'do mandamento santo entregue a
nós'; isto, se não pararmos completamente, ou voltarmos para a perdição
eterna!
9.
Com o objetivo de curar aquela corrupção; aquela enfermidade diabólica que todo
homem traz consigo para o mundo, freqüentemente é necessário arrancar, por
assim dizer, o olho direito, e cortar a mão direita; -- tão dolorosa, é tanto a
própria coisa que deve ser feita, quanto os meios de se fazê-la; provavelmente,
a ruptura de um desejo insensato, de uma afeição desordenada, ou a separação do
objeto dele, sem o que, essa enfermidade nunca poderá ser extinta.
Primeiro,
o arrancar tal desejo, ou afeição, quando ele está tão profundamente enraizado
na alma, é freqüentemente como o ser perfurado por uma espada; sim, é como 'separar
a alma e o espírito; as juntas e o tutano'. O Senhor, então, coloca, na
alma, como que um fogo refinador, para queimar toda a matéria inútil dela. E
esta é uma cruz, realmente; é essencialmente doloroso; e deve ser assim, na
mesma natureza das coisas. A alma não pode, desta forma, ser colocada de lado;
ela não pode deixar de passar pelo fogo, sem sentir dor.
10.
Em Segundo Lugar, é freqüentemente doloroso curar a alma doente; curar o
desejo tolo, a afeição desordenada; não pela natureza da coisa, mas pela
natureza da enfermidade. Assim sendo, quando nosso Senhor disse para o jovem
rico: (Marcos 10:21) 'Vai, vende tudo quanto tens, e dá-o aos
pobres', (como bem se sabe este é o único meio de curar a sua avareza), o
próprio pensamento disto trouxe a ele tantas dores, que 'ele foi embora
deprimido'; escolhendo, preferivelmente, separar-se de sua esperança do
céu, do que de suas posses na terra. Este era um fardo que ele não
consentiria levantar; uma cruz que ele não tomaria. E, quer de uma maneira ou
de outra, todo seguidor de Cristo irá certamente necessitar 'tomar sua cruz
diariamente'.
11. O 'tomar' difere um pouco
do 'suportar a cruz'. Nós diremos, propriamente, então, 'suportar
nossa cruz', quando suportamos o que é colocado sobre nós, sem nossa
escolha, com humildade e resignação. Da mesma forma, não dizemos
apropriadamente 'tomar nossa cruz', a não ser, quando, voluntariamente,
permitimos o que está em nosso poder evitarmos; quando, de boa-vontade,
abraçamos a vontade de Deus, embora contrária a nossa própria; quando
escolhemos o que é doloroso, porque é o desejo de nosso sábio e gracioso
Criador.
12.
Assim sendo, convém a todo discípulo de Cristo tomar sua cruz, tanto quanto,
suportá-la. Na verdade, em um sentido, ela não é dele somente; é comum a ele, e
muitos outros; uma vez que não existe tentação que sobrevenha a qualquer homem,
-- 'a não ser tal que seja comum aos homens'; tal que seja incidente e
adaptada à natureza e situação comum deles, no mundo atual. Mas, em outro
sentido, como ela é considerada com todas as suas circunstâncias, ela é dele;
peculiar a si mesmo: É preparada por Deus, para ele; é dada por Deus a ele,
como um sinal de Seu amor. E se ele a recebe como tal, e, depois usa tais meios
para remover a opressão, como a sabedoria cristã direciona, coloca-se como o
barro nas mãos do oleiro; é disposto e ordenado por Deus para seu bem; ambos
com respeito á qualidade dela, e com respeito à sua quantidade e grau, sua
duração e todas as outras circunstâncias.
13. Com tudo isto, nós podemos facilmente
conceber que nosso abençoado Senhor age como um Médico de nossas almas; não
meramente, 'para seu próprio prazer, mas para nosso proveito; para que possamos
ser parceiros de Sua santidade'. Se, em examinar nossas machucaduras, Ele
nos faz sentir dor, é apenas com o objetivo de curá-las. Ele arranca o que está
podre ou enfermo, com o propósito de preservar a parte boa. E se nós livremente
escolhemos a perda do membro, preferivelmente, a todo o corpo perecer; quanto
mais escolheríamos, figurativamente, cortar fora a mão direita,
preferivelmente, a toda a alma ser lançada no inferno!
14.
Nós vemos plenamente, então, ambos a natureza e o fundamento de tomarmos nossa
cruz. Ela não implica em punir a nós mesmos (como alguns dizem); o literalmente
rasgar nossa própria pele: o usar tecido de crina, ou espartilho (ou cintas) de
ferro, ou alguma coisa mais que poderia danificar nossa saúde corpórea; (embora
não saibamos qual a permissão que Deus pode fazer para esses que agem assim,
através da ignorância involuntária), mas o abraçar a vontade de Deus, embora
contrária a nossa; a salutar escolha, embora medicamento amargo; o aceitar
livremente a dor temporária, de qualquer tipo, e em qualquer grau, quando é
tanto essencialmente, quanto acidentalmente necessário ao prazer eterno.
II
1. Em Segundo Lugar, eu vou mostrar que é sempre
devido à falta, tanto do negar a si mesmo, quanto do tomar sua cruz, que algum
homem não segue totalmente, nem é completamente um discípulo de Cristo. É verdade, que isto pode ser devido,
parcialmente, em alguns casos, à falta dos meios da graça; do ouvir a palavra
verdadeira de Deus, falada com poder; dos sacramentos, ou da camaradagem
cristã. Mas, onde nada disto falta, o grande obstáculo de recebermos ou
crescermos na graça de Deus, será sempre a falta de negarmos a nós mesmos, ou
tomarmos nossa cruz.
2.
Alguns poucos exemplos irão tornar isto claro. Um homem ouve a palavra que é capaz
de salvar sua alma: Ele está feliz com o que ouve, reconhece a verdade, e está
um tanto afetado por ela; ainda assim, permanece 'morto nas transgressões e
pecados', inconsciente e adormecido. Por que isto? Porque ele não se separa
do seu pecado, embora saiba agora que ele é uma abominação ao Senhor. Ele vem
ouvir, cheio de desejos luxuriosos e profanos; e ele não irá se separar deles.
Portanto, nenhuma impressão profunda é feita nele, mas seu coração tolo ainda
está endurecido: Ou seja, ele ainda está inconsciente e adormecido, porque ele
não nega a si mesmo.
3.
Suponha que ele comece a despertar do sono, e seus olhos estejam um pouco
abertos, por que eles se fecham tão rapidamente de novo? Por que ele novamente
mergulha no sono da morte? Porque ele novamente consente no seu pecado
interior; porque ele bebe novamente do veneno prazeroso. Portanto, é impossível
que alguma impressão restante possa ser feita em seu coração: Ou seja, ele
reincide na sua insensibilidade fatal, porque ele não nega a si mesmo.
4. Mas
este não é o caso com todos. Nós temos muitos exemplos desses que, quando uma
vez acordados, não dormem mais. As impressões, uma vez recebidas, não se
corroem: Elas não são apenas profundas, mas duradouras. E ainda assim, muitos
desses não têm encontrado o que eles buscam: Eles murmuram, e mesmo assim, não
são confortados. Agora, por que isto? É por que eles não 'produzem os frutos
do arrependimento'; porque eles, de acordo com a graça recebida, não 'cessam
de fazer o mal, e fazem o bem'. Eles não cessam facilmente de se envolverem
com o pecado, o pecado de sua constituição, de sua educação, de sua profissão;
ou se omitem de fazer o bem que eles podem, e sabem que devem fazer, por causa
de algumas circunstâncias desagradáveis que o atendem: Ou seja, eles não
atingem a fé, porque eles não 'negam a si mesmos', ou 'tomam a sua
cruz'.
5.
Mas este homem recebeu 'o dom celestial'; ele 'testou dos poderes do
mundo que haverá de vir'; ele viu 'a luz da glória de Deus, na face de
Jesus Cristo'; a 'paz que ultrapassa todo entendimento'; seguiu o 'preceito
de seu coração e mente'; e 'o amor de Deus irradiou-se', por todo
ele, 'pelo Espírito Santo que foi dado junto a si'; -- ainda assim, ele
está fraco, como qualquer outro homem; ele novamente aprecia as coisas da
terra, e tem mais prazer pelas coisas que são vistas, do que por aquelas que
não são visíveis; o olho de seu entendimento está fechado novamente, de maneira
que ele não pode 'ver a Ele que é invisível'; seu amor se tornou frio, e
a paz de Deus não mais decide em seu coração. E não é de se admirar: porque ele
novamente deu lugar ao diabo, e afligiu o Espírito de Deus. Ele se voltou
novamente para a insensatez, se não, na ação exterior, ainda assim, no coração.
Ele deu lugar ao orgulho, ira, desejo, vontade própria, obstinação. Ou ele não
estimulou os dons de Deus que estavam nele; ele deu abriu caminho para a
indolência espiritual, e não estaria preocupado em 'orar sempre, e vigiar
isto com toda perseverança': Ou seja, ele um naufrágio da fé, por falta de
negar a si mesmo, e tomar sua cruz diariamente.
6.
Mas, talvez, ele não tenha naufragado sua fé: Ele tenha ainda uma medida do
Espírito de adoção que continua a testemunhar com seu espírito que ele é um
filho de Deus. Não obstante, ele não vai mais em 'busca da perfeição';
ele não está, como outrora, faminto e sedento a cerca da retidão, buscando a
imagem total e alegria completa de Deus, como o veado adulto busca o riacho.
Antes, ele está fatigado e enfraquecido em sua mente, e, por assim dizer, flutuando
entre a vida e a morte. E por que ele é assim, a não ser porque ele se esqueceu
da Palavra de Deus, -- 'Pelas obras, a fé se torna perfeita?'. Ele não
usa de toda a diligência na executar as obras de Deus. Ele não 'continua em
oração', individual, assim como pública; na comunhão, audição, meditação,
jejum, e conferência religiosa. Se ele não negligencia totalmente alguns desses
meios, pelo menos, ele não os usa com todo seu poder. Ou ele não é zeloso das
obras de caridade, tanto quanto, das obras de devoção. Ele não é
misericordioso, segundo seu poder, com toda a habilidade que Deus lhe deu. Ele
não serve ardorosamente ao Senhor, ao fazer o bem aos homens, de todo tipo e em
todo grau que ele puder, quer para suas almas, ou para seus corpos. E por que ele não continua em oração? Porque
na época da seca é dor e aflição junto a ele. Ele não continua a ouvir todas as
oportunidades, porque dormir é agradável; ou está frio, ou escuro, ou chuvoso.
Mas por que ele não continua nas obras de misericórdia? Porque ele não pode
alimentar o faminto, ou vestir o nu, a menos que ele reduza as despesas de seu
próprio vestuário, ou usar de alimento prazeroso, mais barato e em menor
quantidade. Além do que, o visitar o doente, ou aqueles que estão na prisão, é
atendido, com muitas circunstâncias desagradáveis. E, assim, todas as obras de
misericórdia espiritual; reprovação, em particular. Ele reprovaria seu próximo;
mas algumas vezes, se envergonharia; algumas vezes, temeria se envolver: Porque
ele se exporia, não apenas ao ridículo, mas às conseqüências mais pesadas
também. Por estas e por considerações semelhantes, ele omite uma ou mais, se
não todas as obras de misericórdia e devoção. Por esta razão, sua fé não é
perfeita, nem ele pode crescer na graça; isto é, porque ele não nega a si mesmo
e toma sua cruz diariamente.
7.
Manifestadamente se segue, que é sempre devido à falta, tanto do negar a si
mesmo, quanto do tomar sua cruz, que o homem não segue seu Senhor totalmente;
que ele não é completamente um discípulo de Cristo. É devido a isto, que ele,
que está morto no pecado, não desperta, embora a trombeta seja tocada; que ele,
que começa a acordar do sono, ainda assim, não tenha a convicção profunda e
duradoura; que aquele que está, profundamente e de maneira duradoura,
convencido do pecado, não retém a remissão dos pecados; que alguns que têm
recebido este dom celestial não o retêm, mas naufragam a fé; e que outros, se
não recaem na perdição, ainda assim, estão fatigados e fracos em suas mentes, e
não alcançam a marca do prêmio do alto chamado de Deus, em Jesus Cristo.
III
1.
Em Primeiro Lugar, quão facilmente, nós podemos aprender disto, que
aqueles que, direta ou indiretamente; em público ou em privativo, opõem-se a
negar a si mesmos, e a carregarem diariamente sua cruz, não conhecem as
Escrituras, nem o poder de Deus! Quão totalmente ignorantes esses homens são de
centenas de textos específicos, assim como, do grande teor de todos os oráculos
de Deus! E quão inteiramente alheios eles devem ser com respeito à experiência
cristã verdadeira e genuína, -- da maneira como o Espírito Santo sempre operou,
e opera até hoje, nas almas dos homens! Eles podem falar, de fato, muito
eloqüentemente e confiantemente (um fruto natural da ignorância), como se eles
fossem os únicos homens a entenderem, tanto a Palavra de Deus, quanto a
experiência de seus filhos. Mas suas palavras são, em todo sentido, obras vãs;
elas são pesadas na balança, e ainda ficam deficientes.
2. Em Segundo Lugar, nós podemos aprender disto, a
causa real porque não apenas muitas pessoas particulares, mas, até mesmo,
grupos de homens, que foram outrora luzes ardentes e brilhantes, perderam agora
sua luz e calor. Se eles não a odiaram e se opuseram a ela, eles, no mínimo,
estimaram ligeiramente esta preciosa doutrina evangélica. Se eles,
evidentemente, não disseram: 'Nós pisoteamos todo o negar a si mesmo, nós o
consagramos à destruição'; ainda assim, eles nunca a valorizaram, de acordo
com a sua mais alta importância, nem se preocuparam em praticá-la. Disse um grande
homem perverso: 'Os escritores místicos ensinam o negar a si mesmo'. –
Não; os escritores inspirados! E Deus a ensina a toda alma que está desejosa de
ouvir sua voz!
3.
Em Terceiro Lugar, nós podemos aprender, disto, que não é suficiente
para um Ministro do Evangelho não se opor à doutrina do negar a si mesmo, e
dizer coisa alguma concernente a ela. Mais do que isto, ele não pode cumpri sua
obrigação por falar um pouco a favor dela. Se ele deve, de fato, ser puro do
sangue de todos os homens, ele deverá falar dela freqüente e amplamente; ele
deverá inculcar a necessidade dela, de uma maneira mais clara e forte; ele
deverá impô-la com sua força, a todas as pessoas, todos os momentos, e em todos
os lugares; assentando 'linha por linha; linha por linha; preceito por
preceito; preceito por preceito': De maneira que ele terá uma consciência
isenta de ofensa; de modo que ele salvará sua própria alma e daqueles que o
ouvem.
4.
Por último: Vejam que vocês apliquem isto; cada um de vocês, às suas
próprias almas! Meditem sobre isto, quando estiverem em secreto. Ponderem em
seus corações! Cuidem de não apenas entenderem isto totalmente, mas de
lembrarem disto, até o fim de suas vidas! Clamem junto ao Forte, por força,
para que vocês possam não apenas entender prontamente, mas praticar
prontamente. Não percam tempo, mas pratiquem isto imediatamente, a partir de
agora! Pratiquem universalmente, em todas as milhares de situações que
ocorrerão, em todas as circunstâncias da vida! Pratiquem diariamente, sem
intermissão, do momento em que puserem mãos à obra, e continuem nisto até o
fim, até que seu espírito retorne para Deus!
[Editado
por Waylon Brown, estudante da Northwest Nazarene College (Nampa, ID), com
correções de George Lyons para a Wesley Center for Applied Theology.]