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sexta-feira, 31 de julho de 2020

O Peso das Múltiplas Tentações


John Wesley

 

 

'Em que vós grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, sendo necessário, que estejais por um pouco contristados com várias tentações' (I Pedro 1:6)

 

 

1. No discurso precedente, eu falo, em específico, daquela escuridão de mente, para a qual vão, aqueles que uma vez caminharam na luz do semblante de Deus, e caíram. Proximamente relacionado a isto está o peso da alma, que é ainda mais comum, mesmo entre os crentes. De fato, quase todos os filhos de Deus experimentam isto, em um grau maior ou menor. E tão grande é a semelhança entre um e outro, que eles freqüentemente os confundem, e se sentem aptos a dizerem indiferentemente: 'Tal está na escuridão'; ou 'Tal pessoa está oprimida'; -- como se eles fossem termos equivalentes; um dos quais implica não mais do que o outro.

 

Mas eles estão longe disto. Escuridão é uma coisa; opressão é outra. Existe uma diferença; sim, uma diferença ampla e essencial, entre a primeira e a última. E tal diferença, todos os filhos de Deus devem estar profundamente interessados em compreender: Do contrário, nada será mais fácil para eles, do que trocar opressão por escuridão. Com o objetivo de prevenir isto, eu me esforçarei para mostrar:

 

I.              Quais são aquelas pessoas a quem o Apóstolo diz: 'Vocês estão contristados'. 

II.           Em que tipo de opressão elas se encontram:

III.        Quais são as causas dela:

IV.        Qual a finalidade dela:

V.           Devo concluir com algumas inferências.

 

I

 

1. Em primeiro Lugar, eu vou mostrar, como são aquelas pessoas a quem o Apóstolo diz: 'Vocês estão oprimidos'.  Para começar, está acima de qualquer disputa, que eles eram crentes, no momento em que o Apóstolo se dirigiu a eles: Uma vez que ele diz expressamente: (I Pedro 1:5) 'Que mediante a fé estais guardados na virtude de Deus para a salvação, já prestes para se revelar no último tempo'. E novamente em (I Pedro 1:7), ele menciona: 'Para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo'. E de novo em (I Pedro 1:9), ele fala de eles 'Alcançarem a finalidade da vossa fé, a salvação das vossas almas'. Ao mesmo tempo, portanto, que eles estavam 'em opressão', eles estavam possuídos da fé viva. A Opressão deles não destruiu a fé deles: Eles ainda 'persistiam em ver a Ele que é invisível'.

 

2. Nem a opressão destruiu a paz deles; 'a paz que ultrapassa todo entendimento'; que é inseparável da fé verdadeira e viva. Isto nós podemos facilmente reunir do segundo verso, em que o Apóstolo não diz que a graça e a paz podem ser dadas a eles; mas, tão somente, que elas poderão 'ser multiplicadas junto a eles'; que a bênção, que eles já desfrutam, poderia ser mais abundantemente conferida junto a eles.

 

3. As pessoas das quais o Apóstolo aqui fala estavam também cheias de uma esperança viva. Porque assim ele fala em (I Pedro 1:3) 'Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, segundo a sua grande misericórdia, nos gerou de novo para uma esperança viva, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos', -- eu e você, todos nós que somos 'santificados pelo Espírito', e desfrutamos 'do sangue aspergido de Jesus Cristo', -- 'para uma esperança viva, para uma herança', -- ou seja, para a esperança viva de uma herança, 'incorruptível, imaculada, e que não se desvanece'. De modo que, não obstante sua opressão, eles ainda retém uma esperança cheia da imortalidade.   

 

4. E eles ainda se 'regozijam na esperança da glória de Deus'. Eles foram preenchidos com a alegria no Espírito Santo. Assim, em (I Pedro 1:8), o Apóstolo, tendo justamente mencionado 'a revelação' final 'de Jesus Cristo' (ou seja, quando Ele começa a julgar o mundo), ele imediatamente acrescenta, 'em quem, vocês não podem ver agora'; não com seus olhos corpóreos, 'ainda assim, crêem, vocês se regozijam com alegria inexprimível e cheia de glória'.

 

(I Pedro 1:7-9) 'Para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo; ao qual, não o havendo visto, amais; no qual, não o vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso; - Alcançando o fim da vossa fé, a salvação das vossas almas'.

 

A opressão deles, portanto, não era apenas consistente com aquela esperança viva, mas também com a alegria inexprimível: Ao mesmo tempo em que eles estavam assim oprimidos, eles, apesar disto, eles se regozijavam com alegria cheia de glória.

 

5. Em meio à opressão, eles igualmente ainda desfrutavam do amor de Deus, que derramava por todo seus corações, -- 'a que', diz o Apóstolo, 'não tendo visto, vocês amam'. Embora não vejam, face a face; vocês, conhecendo a Ele, pela fé, têm obedecido à sua palavra: 'Meu filho, dê-me seu coração'. 'Ele é seu Deus, e o seu amor; o desejo de seus olhos; e a sua grande recompensa'. Vocês têm buscado, e encontrado a felicidade Nele; vocês 'se deleitam no Senhor', e dão a Ele o 'desejo de seus corações'.

 

6. Uma vez mais: Embora eles estivessem oprimidos, ainda assim, eles eram santos; eles retiveram o mesmo poder sobre o pecado. Eles ainda estavam 'protegidos' disto, 'pelo poder de Deus'; eles eram 'filhos obedientes, não modeladas de acordo com seus desejos anteriores'; mas 'como Aquele que os havia chamado era santo'; então, eles eram 'santos em todas as formas de conversação'. Sabendo que foram 'redimidos pelo precioso sangue de Cristo, como um Cordeiro, sem mácula, e sem culpa'; eles, através da fé e esperança que tinham em Deus, 'purificaram suas almas, através do Espírito'. Assim sendo, o que se conclui é que a opressão deles era constituída com a fé, com a esperança, com o amor de Deus e homem, com a alegria no Espírito Santo, com a santidade interior e exterior. Eles, de modo algum diminuíram, muito menos, destruíram, alguma parte da obra de Deus em seus corações. Ela não se interpôs com aquela 'santificação do Espírito', que é a raiz de toda obediência verdadeira; nem com a felicidade que precisa resultar da graça e paz reinando no coração.

 

II

 

1. Disto, nós podemos facilmente aprender o tipo de opressão que eles tinham; -- e que, em Segundo Lugar, eu me esforçarei para mostrar. A palavra no original, "islupEthentes", -- feito pesaroso, afligido; de lupE, -- aflição ou tristeza. Este é o significado constante, literal, da palavra: E isto, sendo observado, não existe ambigüidade na expressão; nem alguma dificuldade na compreensão dela. As pessoas, das quais se fala aqui, estavam afligidas: A opressão em que eles se encontravam, não era, nem mais, nem menos, do que tristeza ou aflição; -- uma paixão que todo filho do homem está bastante familiarizado.

 

2. É provável que nossos tradutores a interpretaram como opressão (embora uma palavra menos comum) para denotar duas coisas: Primeiro, o grau; e em seguida, a continuidade dele. De fato, parece que não se trata de um grau insignificante ou inconsiderado de aflição, de que se fala a respeito aqui; mas de tal que causa uma forte impressão sobre a alma, e a faz deprimir-se. Nem ela parecer ser uma tristeza temporária, tal que passa em uma hora; mas, antes, tal que se segura com firmeza no coração, e que não desaparece rapidamente, mas continua por algum tempo, como um temperamento enraizado, preferivelmente, do que uma paixão, -- mesmo naqueles que têm a fé viva em Cristo, e o amor genuíno de Deus, em seus corações. 

 

3. Mesmo nesses, essa opressão pode ser, algumas vezes, tão profunda, que obscurecesse toda a alma; para dar uma aparência de verdade, por assim dizer, a todas as afeições, tais que irão aparecer em todo o comportamento. Ela pode igualmente ter uma influência sobre o corpo; particularmente, naqueles que são tanto de uma constituição naturalmente fraca, ou estão enfraquecidos por alguma doença acidental, especialmente, do tipo nervoso. Em muitos casos, nós nos certificamos que 'o corpo corruptível deprime a alma'. E nisto, a alma, certamente, deprime o corpo, e o enfraquece mais e mais. Eu não direi que a tristeza profunda e duradoura do coração não pode, algumas vezes, enfraquecer uma constituição forte, e causar tais desordens corpóreas, não facilmente removidas: No entanto, tudo isto pode ainda consistir com a medida daquela fé que é operada pelo amor.

 

4. Esta bem pode ser denominada uma 'provação ardente': E embora não seja a mesma que o Apóstolo fala no quarto capítulo [I Pedro 4:12 'Amados, não estranheis a ardente prova que vem sobre vós para vos tentar, como se coisa estranha vos acontecesse']; ainda assim, muitas das expressões lá usadas, com respeito aos sofrimentos exteriores, podem ser adaptadas a essa aflição interior. Na verdade, elas não podem, com alguma propriedade, serem aplicadas àqueles que estão na escuridão: Esses, não podem regozijar-se; nem é verdade que 'o Espírito da glória e de Deus repousa sobre' eles. Mas Ele freqüentemente o faz naqueles que estão na opressão; de modo que, embora pesarosos, eles, mesmo então, se regozijam sempre.

 

III

 

1. Mas para prosseguir para o Terceiro ponto: Quais são as causas de tal tristeza ou opressão em um verdadeiro crente? O Apóstolo nos diz claramente: 'Vocês estão contristados', diz ele, 'pelas múltiplas tentações'; múltiplas, não apenas muitas em número, mas de muitos tipos. Elas podem ser variadas e diversificadas, em milhares de formas, pela mudança ou adição de numerosas circunstâncias. E esta mesma diversidade e variedade tornam mais difícil nos protegermos delas. Entre essas nós podemos classificar todas as doenças corpóreas; particularmente, as enfermidades repentinas, e a dor violenta de todo tipo; quer afetando o corpo todo, ou a menor parte dele. É verdade, que aqueles que têm desfrutado de saúde ininterrupta, e não têm sentido qualquer uma dessas enfermidades podem fazer pouco delas; e se admirarem de que a doença ou a dor do corpo possa trazer opressão sobre a mente. Talvez, um, em mil, seja de uma constituição tão peculiar, que não sinta dor como os outros homens. De modo que Deus tem se agradado de mostrar seu poder, produzindo alguns desses prodígios da natureza, que parecem não se preocupar com a dor, afinal; mesmo a dos tipos mais severos, se este desprezo pelas dores não se dever parcialmente à força da educação; e, parcialmente, a uma causa sobrenatural, -- ao poder tanto dos bons, quanto dos maus espíritos, que elevam estes homens, acima do estado da mera natureza. Mas, abstraindo esses casos particulares, em geral, a justa observação é que a dor é miséria plena e extrema; aniquilando completamente toda resignação. E mesmo onde esses são protegidos pela graça de Deus; onde os homens 'mantêm suas almas pacientes, ela pode, não obstante, ocasionar muita opressão interior; com a alma compadecendo-se do corpo. 

 

2. Todas as enfermidades de longa duração, embora menos dolorosas, estão aptas a produzirem o mesmo efeito. Quando Deus determina sobre nós a consumação, ou a febre intermitente, que esfria e queima, se ela não for rapidamente removida, não irá apenas 'consumir os olhos', mas 'causará tristeza no coração'. Este é eminentemente o caso, com respeito a todas estas que são denominadas doenças nervosas. E a fé não destrói o curso da natureza: As causas naturais ainda produzem efeitos naturais. A fé não mais impede os declínios dos espíritos (como se diz), em uma doença histérica que surge da agitação de uma febre.

 

3. Novamente: quando 'a calamidade vem como um redemoinho de vento, e a escassez como um homem armado'; trata-se de uma pequena provação? Não é estranho que ela cause tristeza e opressão? Mesmo que esta seja uma coisa pequena para aqueles que se mantêm a uma distância, ou que olham, e 'passam, pelo outro lado'; ainda assim, por outro lado, é dessa forma, para aqueles que a sentem. 'Tendo alimento e vestimenta' (de fato, a última palavra, skepasmata, sugere moradia, assim como, vestuário), nós podemos, se o amor de Deus está em nossos corações, 'estarmos satisfeitos com isto'. Mas o que devem fazer aqueles que nada têm? Quem, por assim dizer, 'adotam a rocha como abrigo?'. Que têm apenas a terra para se deitar, e apenas o céu para cobri-los? Que não têm uma residência seca, quente, nem mesmo limpa, para si mesmos, e seus pequeninos; nenhuma roupa para mantê-los, ou àqueles a quem eles amam, junto a si mesmos, do frio penetrante, tanto do dia, quanto da noite? Eu rio do estúpido pagão clamando: 'Quão ridículos os homens podem ser!'.

 

A pobreza tem alguma coisa pior, do que fazer os homens serem capazes de rirem dela? É um sinal de que esse poeta inútil falou, sem pensar, das coisas que ele não conhecia. Não é a falta de alimento, alguma coisa pior do que isto? Deus a decretou como uma calamidade sobre o homem, para que ele possa prover, 'através do suor de sua testa'. Mas quantos existem, nesta região cristã, que labutam, e trabalham, e suam, e não o têm, afinal, mas lutam com fraqueza e fome juntas? Não é pior para alguém, depois de um dia de trabalho, voltar para sua moradia pobre, fria, suja e desconfortável, e encontrar nem mesmo o alimento que é necessário para reparar suas forças perdidas?  Vocês, que vivem confortavelmente na terra; que nada necessitam, a não ser, de olhos para verem, ouvidos para ouvirem, e corações para entenderem o quanto bem Deus tem partilhado com vocês, -- não é pior buscar o pão, dia a dia, e encontrar nada? Talvez, encontrar o conforto também de cinco ou seis crianças, clamando pelo que ele não tem para dar! Não fosse ele refreado por uma mão invisível, ele não poderia logo 'amaldiçoar a Deus e morrer?'. Ó necessidade de pão! Necessidade de pão! Quem pode dizer o que isto significa, sem ter sentido isto em si mesmo? Eu estou surpreso que isto ocasione não mais do que opressão, mesmo nesses que crêem!

 

4. Talvez, proximamente a isto, nós possamos colocar a morte daqueles que eram próximos, e queridos a nós; de um pai jovem, e um que não entrou muito no declínio dos anos; de uma criança amada, recém surgindo para a vida, e apertando nossos corações; de um amigo que foi como nossa própria alma, -- próximo à graça de Deus, o último, e o melhor dom do Céu. E milhares de circunstâncias podem acentuar a aflição. Talvez, a criança e o amigo morreram em nossos braços! – talvez, foram arrebatados, quando nós não cuidamos deles! No vigor da juventude, e cortados como uma flor! Em todos esses casos, nós, não apenas não podemos, mas devemos, estar afligidos: é o objetivo de Deus que possamos. Ele não nos teria como animais e pedras. Ele não teria nossas afeições equilibradas, não extintas. Portanto, -- 'A natureza não repreendida, faz derramar uma lágrima'. Pode haver tristeza, sem pecado.

 

5. Uma tristeza ainda mais profunda, nós podemos sentir por aqueles que estavam mortos, enquanto viviam; com respeito à indelicadeza, ingratidão, apostasia daqueles que estavam unidos a nós na mais íntima aliança. Quem pode expressar o que um amante das almas pode sentir por um amigo, um irmão, morto para Deus? Por um marido, uma esposa, um pai, um filho, precipitando-se no pecado, como um cavalo dentro da batalha; e, a despeito de todos os argumentos e persuasões, apressando-se para executar a sua própria condenação? E esta angústia do espírito pode ser intensificada a um grau inconcebível, ao se considerar que ele que agora caminha para a destruição, uma vez, seguiu bem no caminho da vida. O que quer que ele tenha sido no passado, serve agora a nenhum outro propósito, do que nos fazer refletir no que ele está mais penetrado e afligido.

 

6. Em todas essas circunstâncias, nós podemos estar seguros de que nosso grande adversário não ficará sem aproveitar sua oportunidade. Ele, que sempre 'tem andado buscando a quem ele possa devorar', irá, então, usar, especialmente, todos os seus poderes, todas as suas habilidades, se, por acaso, ele puder obter alguma vantagem sobre a alma que já está subjugada. Ele não poupará seus dardos certeiros, tais que são mais adequados para encontrarem uma entrada, e fixarem-se mais profundamente no coração, porque são próprios das tentações que o assaltam. Ele irá trabalhar para injetar os pensamentos descrentes, blasfemos ou descontentes. Ele irá sugerir que Deus não cuida, e não governa, a terra; ou, pelo menos, que Ele não a governa da maneira correta; não, através da justiça e misericórdia. Ele irá se esforçar para incitar o coração contra Deus; para renovar nossa inimizade natural contra Ele. E se nós empreendemos lutar com Ele, com as suas próprias armas, nós iremos raciocinar com ele, e mais e mais opressão, irá, sem dúvida, resultar, se não, escuridão extrema.

 

7. Freqüentemente se supõe que existe uma outra causa; se não, da escuridão, pelo menos, da opressão; ou seja, Deus se retira da alma, porque é sua vontade soberana. Certamente, Ele irá fazer isto, se nós afligirmos seu Espírito Santo, tanto por pecado exterior, quanto exterior; tanto por fazer o mal; por negligenciar a fazer o bem; dando oportunidade para o orgulho ou ira; para a indolência espiritual; para o desejo tolo, ou afeições desordenadas. Mas que Ele sempre se retira, porque Ele quer; meramente porque é seu bom prazer, eu absolutamente nego. Não existe um texto em toda a Bíblia que faz qualquer menção a tal suposição. Mais do que isto: trata-se de uma suposição contrária; não apenas a muitos textos particulares, mas a todo o teor das Escrituras. É repulsiva à própria natureza de Deus: É extremamente inferior à sua majestade e sabedoria, (como um escritor eminente, expressa fortemente), 'brincar de esconde-esconde com suas criaturas'. É inconsistente, com sua justiça e misericórdia, e com a profunda experiência de todos os seus filhos. 

 

8. Uma causa mais da opressão, é mencionada por muitos daqueles que são denominados autores místicos. E a noção tem se arrastado, eu não sei como, até mesmo entre as pessoas sinceras que não têm familiaridade com eles. Eu não posso explicar isto melhor, do que nas palavras de uma recente escritora, que relata isto como sua própria experiência: -- 'Eu continuei tão feliz no meu Amado, que, mesmo que eu tivesse sido forçada a perambular no deserto, eu não teria encontrado dificuldade nisto. Este estado, porém, não durou muito, quando, em efeito, eu me encontrei conduzida ao deserto. Eu me achei numa condição de desamparo, completamente pobre, desgraçada e miserável. A fonte apropriada desta aflição, o conhecimento de nós mesmos; através do qual, nos certificamos que existe uma extrema dessemelhança entre Deus e nós. Nós nos vemos em maior oposição a Ele; vemos que no fundo de nossa alma, somos inteiramente corruptos, depravados, e cheios de toda espécie de mal e malignidade, do mundo e da carne; e todas as sortes de abominações'. – Disto, pode-se concluir que o conhecimento de nós mesmos, sem o que podemos perecer eternamente, deve, mesmo depois de termos conseguido a justificação pela fé, nos ocasionar a mais profunda opressão.

 

9. Mas, sobre isto, eu observaria:

 

(1)          No parágrafo precedente, esta escritora diz: 'Compreendendo que eu não tinha a fé verdadeira em Cristo, eu me entreguei a Deus, e imediatamente senti seu amor'. Pode ser; e ainda assim, não parece que isto foi justificação. É mais provável que não foi mais do que é usualmente denominado de 'As delineações do Pai'. E se for assim, o peso e a escuridão que se seguem, não são outra coisa, que a convicção do pecado; que na natureza das coisas, deve preceder aquela fé, por meio da qual somos justificados.

 

(2)          Supondo-se que ela fosse justificada, quase no mesmo momento em que ela foi convencida da falta de fé, não houve, então, tempo para aquele crescimento gradual do autoconhecimento, que costuma preceder a justificação: Neste caso, portanto, ele veio depois, e foi, provavelmente, o mais severo, o menos esperado.

 

(3)          Pode ser que vá existir um conhecimento de nosso pecado inato, de nossa corrupção total pela natureza, mais profundo, mais claro e mais completo, depois da justificação, e que nunca houve antes dela. Mas esta necessidade não ocasiona obscuridade da alma: Eu não direi que ela deva nos trazer para a opressão. Se fosse assim, o Apóstolo não teria usado aquela expressão; se fosse preciso, haveria uma necessidade absoluta e indispensável dele, para todos que conhecessem a si mesmos; ou seja, em efeito, para todos que conhecessem o amor perfeito de Deus, e fossem, por meio disto, 'feitos adequados para serem parceiros na herança dos santos na luz'. Mas isto, de modo algum, é o caso. Ao contrário, Deus pode aumentar o conhecimento de nós mesmos em algum grau; e aumentar na mesma proporção, o conhecimento de Si mesmo e a experiência de Seu amor. E, neste caso, não haveria 'deserto, miséria, condição de abandono'; mas amor, paz, e alegria, gradualmente brotando para a vida eterna.

 

IV

 

1. Para que finalidade, então, (a Quarta coisa que deverá ser considerada) Deus permite que a opressão caia sobre tantos de seus filhos? O Apóstolo nos dá uma resposta clara e direta a esta importante questão: - 'Para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo' (I Pedro 1:7). Pode haver uma alusão a isto, naquela bem conhecida passagem do quarto capítulo (embora primeiramente relacione-se a quase outra coisa, como já foi observado): 'Amados, não estranheis a ardente prova que vem sobre vós para vos tentar, como se coisa estranha vos acontecesse; mas alegrai-vos no fato de serdes participantes das aflições de Cristo, para que também na revelação da sua glória vos regozijeis e alegreis' (I Pedro 4:12, &c).

 

2. Disto, nós aprendemos que a primeira e grande finalidade de Deus permitir as tentações, que trazem opressão sobre seus filhos, é testar a fé deles, que é testada por elas, como o ouro, pelo fogo. Agora, nós sabemos que o ouro tentado no fogo, é purificado, através dele; é separado de sua impureza. E assim é a fé, no fogo da tentação; quanto mais ela é tentada, mais é purificada; -- sim, e não apenas purificada, mas também fortalecida, confirmada, abundantemente aumentada, por tantas mais provas de sabedoria e poder, o amor e fidelidade de Deus. Por isto, então, -- para aumentar nossa fé, -- é uma das graciosas finalidades de Deus permitir essas múltiplas tentações. 

 

3. Elas servem para experimentarem, purificarem, confirmarem e aumentarem aquela esperança viva também, onde junto 'a Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo temos sido recriados de sua abundante misericórdia'. De fato, nossa esperança não pode deixar de aumentar, na mesma proporção que nossa fé. Sobre este alicerce, ela se situa: Crendo em Seu nome; vivendo pela fé no Filho de Deus, nós esperamos; nós temos expectativa confiante da glória que será revelada; e, conseqüentemente, o que quer que fortaleça nossa fé, aumenta nossa esperança também. Ao mesmo tempo, em que aumenta nossa alegria no Senhor, que não pode deixar de atender a uma esperança cheia de imortalidade. Neste panorama, o Apóstolo exorta os crentes em outro capítulo: 'Regozijem-se vocês, parceiros dos sofrimentos de Cristo'.  A este mesmo respeito, 'felizes são vocês; porque o Espírito da glória e Deus descansa sobre vocês': E, por meio disto, somos capacitados, mesmo em meio aos sofrimentos, a 'nos regozijarmos com alegria inexprimível e cheia de glória'.

 

4. Eles se regozijam mais, porque as provas que aumentam a fé e a esperança, aumentam também seu amor; sua gratidão para com Deus, por todas as suas misericórdias, e sua boa-vontade para com toda humanidade. Assim sendo, quanto mais profundamente conscientes eles estão da bondade amorosa de Deus, seu Salvador, mais seus corações inflamam-se com amor para com Ele que 'primeiro os amou'. Quanto mais clara e forte a evidência que eles têm da glória que deverá ser revelada, mais eles amam a Ele que a adquiriu para eles, e 'deu a eles a garantia' dela, 'em seus corações'. E esta, o aumento de seu amor, é outra finalidade para que seja permitido que as tentações venham sobre eles.

 

5. Uma outra finalidade ainda, é o crescimento deles na santidade: santidade de coração; santidade de conversação; a última, resultando da primeira; porque uma boa árvore produz bons frutos. E toda santidade interior é o fruto imediato da fé que é operada pelo amor. Através disto, o Espírito abençoado purifica o coração do orgulho, obstinação, paixão; do amor do mundo, dos desejos tolos e danosos; das afeições vis e inúteis. Além do que, afeições santificadas têm, através da graça de Deus, uma tendência imediata e direta à santidade. Através da operação do seu Espírito, elas humilham e degradam, mais e mais, a alma diante de Deus. Elas acalmam e abrandam nosso espírito turbulento; submetem a fúria de nossa natureza; enfraquecem nossa obstinação e vontade própria; crucificam-nos para o mundo; e nos fazem esperar nossa força, e buscar nossa felicidade, em Deus.

 

6. E todas essas têm como grande objetivo, que nossa fé, esperança, amor, e santidade 'possam ser encontrados', se eles ainda não apareceram; 'para o louvor' do próprio Deus; ' e a honra' de todos os homens, e anjos; 'e a glória', imputada, pelo grande Juiz, a todos que perseverarem até o fim. E isto será imputado naquele dia terrível, a todo homem, 'de acordo com suas obras'; de acordo com a obra que Deus tem forjado em seu coração, e as obras exteriores que ele tem forjado para Deus; e igualmente de acordo com o que ele tem suportado. De modo que todas essas tentações são um ganho inexplicável. De várias maneiras, essas 'aflições brandas, que são apenas para o momento, forjam em nós um mais excelente, e eterno ônus de glória!'.

 

7. Acrescentemos a isto, a vantagem que outros podem receber, vendo nosso comportamento debaixo de aflição. Nós nos certificamos, pela experiência, que o exemplo freqüentemente causa uma impressão mais profunda em nós, do que preceitos. E quais exemplos têm uma influência mais forte, não apenas naqueles que são parceiros de igual fé preciosa, mas, naqueles que não têm conhecido a Deus, do que de uma alma calma e serena, em meio às tempestades; triste, ainda assim, regozijando-se; humildemente aceitando o que quer que seja da vontade de Deus, embora seja doloroso para a natureza; dizendo, na doença e dor: 'O cálice que meu Pai me deu, eu não deverei beber?'. – na perda e necessidade, 'O Senhor deu; o Senhor tira; abençoado seja o nome do Senhor!'.

 

V

 

1. Eu vou concluir, com algumas inferências. Em Primeiro Lugar, quão ampla é a diferença entre a escuridão da alma e a opressão; que, não obstante, são tão geralmente confundidas uma com a outra; mesmo pelos cristãos experientes! Escuridão, ou estado de deserto, implica uma total perda da alegria no Espírito Santo: A opressão não; em meio a ela, nós podemos 'nos regozijar com alegria inexprimível'. Eles que estão na escuridão perderam a paz de Deus. Eles que estão na opressão não a perderam. Longe disto, naquele mesmo momento, 'a paz', assim como 'a graça' podem 'ser multiplicadas' junto a eles. No primeiro caso, o amor de Deus tornou-se frio, se não foi totalmente extinguido; no segundo, ele retém toda sua força; ou melhor, aumenta, diariamente. No primeiro, a própria fé, se não totalmente perdida, está, não obstante, gravemente em declínio: A evidência, e a convicção das coisas que não são vistas; particularmente, do amor redentor de Deus, não está mais tão clara ou forte, quanto no passado; e a confiança deles em Deus está proporcionalmente enfraquecida: No segundo, embora eles não o vejam, ainda assim, têm uma confiança clara e inabalável em Deus; e uma evidência duradoura do amor, por meio do qual, seus pecados foram apagados. De modo que, assim como nós podemos distinguir a fé da descrença; esperança do desespero; paz da guerra; amor a Deus do amor do mundo; nós podemos infalivelmente distinguir opressão de escuridão!

 

2. Em Segundo Lugar, nós podemos aprender disto, que pode haver necessidade de opressão; mas não, necessidade de escuridão. Pode haver necessidade de estamos 'contristados por algum tempo', com o objetivo das finalidades acima citadas; pelo menos, neste sentido, como resultado natural dessas 'múltiplas tentações', que são necessárias para testarem e aumentarem nossa fé; para confirmarem e aumentarem nossa esperança; para purificarem nossos corações de todos os temperamentos não santos, e aperfeiçoarem-nos no amor. E, em conseqüência disto, elas são necessárias com o objetivo de fazerem brilhar nossa coroa, e acrescentarem ao nosso ônus de glória eterna. Mas nós não podemos dizer que a escuridão seja necessária com o objetivo a algumas dessas finalidades. De modo algum, ela nos conduz a elas: A perda da fé, esperança, amor, certamente não é, nem condutiva à santidade; nem aumenta aquela recompensa no céu que será na proporção de nossa santidade na terra.

 

3. Em Terceiro Lugar, nós podemos reunir, da maneira do Apóstolo falar, que, mesmo a opressão, não é sempre necessária. 'Agora, por um tempo, se preciso'; De modo que nem é necessária a todas as pessoas; nem para alguma pessoa todo o tempo. Deus é capaz; Ele tem poder e sabedoria para operar, quando lhe agradar, a mesma obra da graça, em alguma alma, por outros meios. E, em algumas instâncias, Ele faz assim; Ele faz com que esses, a quem Ele se agrada de seguir adiante, de força em força, até mesmo fazendo com que eles 'aperfeiçoem a santidade em seu medo'; raramente com alguma opressão, afinal; como tendo um poder absoluto sobre o coração do homem, e movendo todas as fontes dele como lhe agrada. Mas esses casos são raros: Deus geralmente acha bom testar 'os homens aceitáveis na fornalha de aflições'. De modo que aquelas múltiplas tentações e opressão são, mais ou menos, usualmente a porção de seus filhos mais queridos.

 

4. Para concluir, nós devemos, portanto, vigiar e orar; e usarmos de nossos mais extremos esforços, para evitarmos cair na escuridão. Mas não precisamos estar apreensivos, em como evitarmos, tanto quanto, em como melhorarmos, através da opressão. Nosso grande cuidado deve ser, então, nos comportarmos sob ela; esperarmos junto ao Senhor, para que ela possa responder completamente a todo o desígnio de Seu amor; permitindo que ela venha sobre nós; e que ela possa ser os meios de aumentar nossa fé; de confirmar nossa esperança; de aperfeiçoar-nos em toda santidade. Quando quer que ela venha, que tenhamos um olho para essas finalidades graciosas, para as quais ela é permitida; e usemos de toda a diligência que pudermos, para que não tornemos sem efeito o conselho de Deus a nós mesmos. Vamos, sinceramente, trabalhar junto com ela, através da graça que Ele continuamente nos dá; 'purificando a nós mesmos da poluição da carne e espírito'; e diariamente crescendo na graça de nosso Senhor Jesus Cristo, até que sejamos recebidos em seu reino eterno!

 

[Editado por Tim Dawson, estudante da Northwest Nazarene College (Nampa, ID), com correções por George Lyons para a Wesley Center for Applied Theology.]

 


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