John Wesley
'Qualquer que é nascido de Deus não
comete pecado; porque a sua semente permanece nele; e não pode pecar, porque é
nascido de Deus'.
(I João 3:9)
1.
Tem sido freqüentemente suposto que o nascer de Deus é o mesmo que ser
justificado; que o novo nascimento e a justificação são apenas expressões
diferentes que denotam a mesma coisa: É certo, por um lado, que quem quer que
seja justificado é também nascido de Deus; e, por outro lado, que, quem quer
que seja nascido de Deus está também justificado; sim, que ambos esses dons de
Deus são dados a todo crente, em um e no mesmo momento. Em um determinado
tempo, seus pecados são apagados, e ele é nascido de Deus novamente.
2.
Mas, embora seja permitido que a justificação e o novo nascimento sejam
inseparáveis entre si, em um determinado momento do tempo; ainda assim, eles
são facilmente distinguidos, como sendo, não a mesma coisa, mas coisas de
naturezas amplamente diferentes. Justificação implica apenas uma mudança
relativa; o novo nascimento, uma mudança real. Deus, ao nos justificar, faz
alguma coisa por nós; em nos criar novamente, Ele faz a obra em nós. O primeiro
transforma nossa relação exterior para com Deus, de modo que, de inimigos, nos
tornamos filhos; através do último, a transformação acontece no mais profundo
de nossa alma, de maneira que os pecadores se tornam santos. Um nos restaura
para o favor, e, o outro, para a imagem de Deus. Um tira fora a culpa; o outro,
o poder do pecado: Assim sendo, embora eles estejam juntos, num determinado
momento da vida, ainda assim, eles são de natureza completamente
distintas.
3. O
não discernir isto; o não observar a ampla diferença que existe entre ser
justificado e nascer novamente, tem ocasionado grande confusão em muitos que
têm tratado desse assunto; particularmente, quando eles tentam explicar esse
grande privilégio dos filhos de Deus; mostrar como 'quem quer que seja
nascido de Deus não comete pecado'.
4.
Com o objetivo de apreender isto claramente, pode ser necessário:
I.
Em
Primeiro Lugar, para considerar qual o significado apropriado para a expressão:
'Quem quer que seja nascido de Deus'; e,
II.
Em Segundo Lugar, inquirir, em que sentido ele
'não comete pecado'.
I
1.
Primeiro, nós vamos considerar qual é o significado apropriado daquela
expressão: 'Quem quer que seja nascido de Deus'. Em geral, nós podemos
aprender, de todas as passagens dos santos escritos, onde esta expressão, 'ser
nascido de Deus', ocorre, que ela implica, não meramente o ser batizado, ou
qualquer mudança exterior que seja; mas uma vasta mudança interior; uma mudança
forjada na alma, através da operação do Espírito Santo; uma mudança, na maneira
total de nossa existência; porque, do momento em que nascemos de Deus, nós
passamos a viver de uma maneira completamente outra, do que nós vivíamos antes;
é como se estivéssemos, por assim dizer, em outro mundo.
2. O
fundamento e razão da expressão são fáceis de serem entendidos. Quando nós
somos submetidos a esta grande mudança, nós podemos dizer, com muita
propriedade, que nascemos de novo, porque existe uma semelhança próxima, entre
as circunstâncias do nascimento natural e do nascimento espiritual; de maneira
que considerar as circunstâncias do nascimento natural é a maneira mais fácil
de entender a espiritual.
3.
A criança que ainda não nasceu sustenta-se, de fato, através do ar, como todas
as coisas que têm vida; mas não o sente; nem qualquer outra coisa, a menos de
uma maneira muito vaga e imperfeita. Ele ouve pouco, se ouve, afinal; os órgãos
da audição estando como que ainda fechados. Ele nada vê; tendo seus olhos bem
cerrados, e estando cercados com extrema escuridão. Existe, se possível, alguns
princípios tênues de vida, quando o tempo de seu nascimento se aproxima, e
algum movimento em conseqüência disto, por meio do qual ele é distinguido de
uma mera massa de matéria; mas ele não tem sentidos; todas essas vias de acesso
da alma estão, até aqui, completamente fechadas. Em conseqüência do que, ele
escassamente tem algum intercurso com esse mundo visível; nem qualquer
conhecimento, concepção ou idéia das coisas que ocorrem nele.
4.
A razão porque ele, que ainda não nasceu, é um estranho completo para o mundo
visível, não é porque o mundo está distante dele; (ele está muito perto; e o
cerca de todos os lados); mas é, em parte, porque ele não tem esses sentidos;
eles ainda não estão abertos em sua alma, e é, tão somente por meio deles, que
é possível manter intercâmbio com o mundo material; e, em parte, porque um véu
espesso está colocado entre eles, de maneira que ele não pode discernir coisa
alguma.
5.
Mas, tão logo a criança nasce para o mundo, ela passa a existir de uma maneira
completamente diferente. Ela agora sente o ar com o qual está circundada, e que
se precipita dentro dela de todos os lados, tão rápido quanto ela
alternativamente o respira de volta, para sustentar a chama da vida: E, disto,
brota um aumento contínuo de forças, de movimento, e de sensação; todos os seus
sentidos corpóreos estando agora despertos, e supridos com seus objetos
apropriados.
Seus olhos agora estão abertos para
perceber a luz que, silenciosamente, fluindo sobre eles, revela não apenas a si
mesmo, mas uma variedade infinita de coisas, as quais lhe eram completamente
estranhas. Seus ouvidos estão abertos, e os sons precipitam-se com diversidade
infindável. Cada sentido está empregado sobre tais objetos, como que
peculiarmente adequado a eles; e, por meio destas entradas da alma, tendo um
intercurso aberto com o mundo visível, adquire mais e mais conhecimento das
coisas sensíveis, de todas as coisas que estão debaixo do sol.
6. Assim,
é com aquele que é nascido de Deus. Antes que aquela grande mudança seja
forjada, embora que ele subsista através Dele, em quem, tudo o que tem vida 'vive,
e se move, e tem sua existência'; ainda assim, ele não está consciente de
Deus; ele não o sente; ele não tem consciência interior da presença Dele. Ele
não percebe aquele sopro divino de vida, sem o que, ele não pode subsistir um
momento: Nem ele está consciente de quaisquer das coisas de Deus; elas causam
nenhuma impressão sobre sua alma. Deus está continuamente o chamando do alto,
mas ele não ouve; seus ouvidos estão tapados, de modo que a 'voz daquele que
chama' está perdida para ele, 'mesmo que o chame tão sabiamente'.
Ele não vê as coisas do Espírito de Deus; os olhos de seu entendimento estão
fechados, e a completa escuridão cobre toda sua alma, e o cerca de todos os
lados. É verdade que ele pode ter alguns esboços tênues de vida; alguns
pequenos começos de movimento espiritual; mas, como ele ainda não tem sentidos
espirituais capazes de discernirem os objetos espirituais, conseqüentemente.
ele 'não discerne as coisas do Espírito de Deus; não pode conhecê-las,
porque elas são espiritualmente discernidas'.
7. Disto,
ele tem escassamente qualquer conhecimento do mundo invisível, já que ele
escassamente tem algum intercurso com ele. Não que ele esteja distante. Não:
Ele está no meio dele; ele o circunda. O outro mundo, como nós usualmente o
denominamos, não está tão longe de qualquer um de nós: Ele está acima, e
embaixo, e em todos os lados. Apenas o homem natural não o discerne;
parcialmente, porque ele não tem sentidos espirituais, por meio dos quais, tão
somente, podemos discernir as coisas de Deus; parcialmente, porque um véu
espesso interpõe-se, já que ele não sabe como penetrá-lo.
8. Mas,
quando ele é nascido de Deus; nascido do Espírito, como a maneira de sua
existência está mudada! Toda sua alma está agora consciente de Deus, e ele pode
dizer, através de experiência segura: 'Tu estás em volta de minha cama, e em
meu caminho'; eu sinto a ti em todos os meus cursos: 'Tu me envolves, e
colocas tua mão sobre mim'. O Espírito ou a respiração de Deus é
imediatamente insuflado, com força divina, e soprado dentro da nova alma
recém-nascida; e o mesmo fôlego que vem de Deus retorna para Ele: Como este
fôlego é continuamente recebido, através da fé, então ele está continuamente
retribuindo, através do amor, oração, louvor e ação de graça; amor e louvor, e
oração sendo a respiração de toda a alma que é verdadeiramente nascida de Deus.
E, através desse novo tipo de respiração espiritual, a vida espiritual não é
apenas abastecida, mas cresce, dia a dia, junto com a força, movimento e
sensação espirituais; todos os sentidos da alma estando agora despertos e
capazes de discernirem o bem e o mal.
9. 'Os
olhos do entendimento'
estão agora 'abertos', e ele 'vê a Ele que é invisível'. Ele vê
qual é 'a grandeza excelente de seu poder', e seu amor em direção a ele
que crê. Ele vê que Deus é misericordioso para com ele, um pecador, para que
ele seja reconciliado, através do Filho de seu amor. Ele percebe claramente
tanto o amor redentor de Deus, quanto todas as suas 'excessivamente grandes
e preciosas promessas'. 'Deus, que ordena que a luz brilhe na escuridão,
tem brilhado', e brilha, 'em seu coração', para iluminá-lo com 'o
conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo'. Toda a escuridão
foi embora, e ele habita na luz do semblante de Deus.
10. Seus
ouvidos estão agora abertos, e a voz de Deus não mais o chama em vão. Ele ouve
e obedece ao chamado celestial: Ele conhece a voz de seu Pastor. Todos os seus
sentidos espirituais, estando agora despertos, ele tem um intercurso claro com
o mundo invisível; e, conseqüentemente, ele conhece mais e mais das coisas que
antes 'não entraria em seu coração conceber'. Ele agora conhece o que a
paz de Deus é; qual é a alegria no Espírito Santo; o que é o amor de Deus que
está espalhado, no coração daqueles que crêem Nele, através de Jesus Cristo.
Assim, o véu, que antes interrompia a luz e a voz; o conhecimento e o amor de
Deus, é removido, e ele que é nascido do Espírito, habita no amor, 'habita
em Deus, e Deus nele'.
II
1.
Tendo considerado o significado daquela expressão, 'quem quer que seja
nascido de Deus', permanece, em Segundo Lugar, inquirir em que sentido ele 'não
comete pecado'.
Agora
alguém que é assim nascido de Deus, como tem sido acima descrito, que
continuamente recebe em sua alma o fôlego da vida, vindo de Deus, a influência
graciosa de seu Espírito, e continuamente retribui de volta; alguém que assim
crê e ama; que, pela fé, percebe as ações contínuas de Deus sobre seu espírito,
e, através de uma espécie de reação espiritual, retorna a graça que recebe, em
incessante amor, louvor e oração; não apenas não comete pecado, ele assim
mantém a si mesmo, mas, por quanto tempo essa 'semente permanece nele, ele
não pode pecar, porque ele é nascido de Deus'.
2. Pelo
pecado, eu aqui entendo o pecado exterior, de acordo com a aceitação clara e
comum da palavra; uma transgressão real e voluntária da lei; da lei revelada e
escrita de Deus; de qualquer mandamento de Deus, reconhecendo ser tal o tempo
que ele é transgredido. Mas 'quem quer que seja nascido de Deus',
enquanto ele habita na fé e amor; e no espírito da oração e ação de graças, ele
não apenas não comete, como não pode cometer pecado. Por quanto tempo ele assim
crê em Deus, através de Cristo, e o ama, e despeja seu coração diante Dele, ele
não pode voluntariamente transgredir qualquer mandamento de Deus, tanto
falando, quanto agindo, no que ele sabe que Deus tem proibido: Assim, por
quanto tempo a semente que permanece nele, aquele amor, oração, fé agradecida o
compele a refrear o que quer que ele saiba seja uma abominação aos olhos de
Deus.
3.
Mas aqui uma dificuldade irá imediatamente ocorrer, e uma que para muitos tem
parecido insuperável, e os induz a negar a afirmação clara do Apóstolo, e a
desistir do privilégio de filhos de Deus.
Entretanto,
é evidente, que aqueles a quem nós não podemos negar que verdadeiramente
nasceram de Deus, (o Espírito de Deus nos tem dado, em sua palavra, esse
testemunho infalível, concernente a eles) não apenas puderam, mas cometeram o
pecado; mesmo o grosseiro pecado exterior. Eles transgrediram as leis claras de
conhecidas de Deus, falando ou agindo, no que eles sabiam que Deus tinha
proibido.
4. Assim,
Davi foi inquestionavelmente nascido de Deus, ou sempre foi o rei ungido sobre
Israel. Ele sabia em quem ele tinha crido; 'O Senhor', diz ele, 'é o
meu pastor, nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente
a águas tranqüilas. Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça,
por amor do seu nome. Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria
mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam'. (Salmos
23:1-4). Ele foi preenchido com amor; tal que freqüentemente o constrangeu
a clamar: 'A Ti clamarei, ó Senhor, Rocha minha; não emudeças para comigo;
não aconteça, calando-te tu para comigo, que eu fique semelhante aos que descem
ao abismo'. (Salmos 28:1). Ele era um homem de oração; despejando
sua alma diante de Deus, em todas as circunstâncias da vida; e abundante em
louvores e ações de graça. 'Louvarei ao Senhor, em todo o tempo; o seu
louvor estará continuamente na minha boca'. (Salmos 34:1).'Tu és
o meu Deus, e eu te louvarei; tu és o meu Deus, e eu te exaltarei'.
(Salmos 118:28). E, ainda assim, tal filho de Deus pode, e cometeu pecado;
sim, os pecados horríveis de adultério e assassinato.
5.
E, mesmo depois que o Espírito Santo foi mais largamente dado; depois da 'vida
e imortalidade serem trazidas à luz, através do Evangelho', nós não
necessitamos do mesmo tipo melancólico de exemplos, que foram também, sem dúvida,
escritos para nossa instrução. Assim, ele que, (provavelmente, da venda de tudo
o que tinha, e por trazer o valor para o alívio de seus pobres irmãos) foi, através dos próprios Apóstolos,
apelidado de Barnabé, ou seja, o filho da consolação:
(Atos 4:36-37) - 'Então José, cognominado pelos apóstolos, Barnabé
(que, traduzido, é Filho da consolação), levita, natural de Chipre, possuindo
uma herdade, vendeu-a, e trouxe o preço, e o depositou aos pés dos apóstolos';
que foi tão honrado em Etiópia, de tal modo a ser escolhido com Saulo, de todos
os discípulos, para levar alívio aos irmãos na Judéia: --
(Atos 11:29-30) – 'E os discípulos determinaram mandar, cada um
conforme o que pudesse, socorro aos irmãos que habitavam na Judéia. O que eles
com efeito fizeram, enviando-o aos anciãos por mão de Barnabé e de Saulo';
este Barnabé, que, em seu retorno da Judéia, foi, por uma direção peculiar do
Espírito Santo, solenemente 'separado dos outros Profetas e Professores,
para a obra a que Deus o havia chamado': --
(Atos 13:1-4) - 'E na igreja que estava em
Antioquia havia alguns profetas e doutores, a saber: Barnabé e Simeão chamado
Níger, e Lúcio, Cireneu, e Manaém, que fora criado com Herodes, o tetrarca, e
Saulo. E, servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo:
Apartai-me a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então,
jejuando e orando, e pondo sobre eles as mãos, os despediram. E, assim, estes,
enviados pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia, e dali navegaram para
Chipre'; sempre para acompanhar o grande Apóstolo, em meio aos gentios, e
para ser seu colaborador em todos os lugares; -- não obstante, foi, mais tarde,
tão afiado em sua contenda com Paulo (porque este 'achou que não seria bom
levar, consigo, aquele que partiu deles de Panfília, e não seguiu com eles para
a obra', em sua segunda visita aos irmãos): --
(Atos 15:35-38) - 'E Paulo e Barnabé ficaram em Antioquia,
ensinando e pregando, com muitos outros, a palavra do Senhor. E alguns dias
depois, disse Paulo a Barnabé: Tornemos a visitar nossos irmãos por todas as
cidades em que já anunciamos a palavra do Senhor, para ver como estão. E
Barnabé aconselhava que tomassem consigo a João, chamado Marcos. Mas a Paulo
parecia razoável que não tomassem consigo aquele que desde a Panfília se tinha
apartado deles e não os acompanhou naquela obra'; que ele mesmo também se
apartou da obra: --
(Atos 15:39) - 'E tal contenda houve entre eles, que se apartaram um
do outro. Barnabé, levando consigo a Marcos, navegou para Chipre'; abandonando a quem ele tinha
sido, de uma maneira tão imediata, unido através do Espírito Santo.
6.
Uma instância, mais espantosa do que esta, é a que é dada por Paulo em sua
Epístola aos Gálatas: Quando Pedro, idoso, o zeloso, o primeiro dos Apóstolos,
um dos três mais altamente favorecidos pelo seu Senhor, 'veio para
Antioquia, eu me opus a ele, porque ele deveria ser repreendido. Porque, antes
que ele certamente viesse de Tiago, ele comeu com os gentios' – os pagãos
convertidos à fé cristã, e como tendo sido particularmente ensinados por Deus,
que ele 'não deveria chamar homem algum de comum e impuro':
(Atos 10:28) – 'E disse-lhes: Vós bem
sabeis que não é lícito a um homem judeu ajuntar-se ou chegar-se a
estrangeiros; mas Deus mostrou-me que a nenhum homem chame comum ou imundo'. –
'Mas, quando eles vieram, ele se separou, temendo a eles que eram da
circuncisão'. E os outros judeus dissimularam do mesmo modo que ele;
de tal maneira, que Barnabé também foi levado pela dissimulação deles. Mas,
quando eu vi que eles não caminhavam honestamente, de acordo com a verdade do
Evangelho, eu disse a Pedro, diante de todos, 'se tu, sendo um judeu, vives
segundo a maneira dos gentios', --
não com respeito à lei de Moisés, -- 'por que constranges os gentios
a viverem como os judeus?':
(Gálatas
2:11-14) 'E, chegando Pedro à Antioquia, lhe resisti na cara, porque era
repreensível. Porque, antes que alguns tivessem chegado da parte de Tiago,
comia com os gentios; mas, depois que chegaram, se foi retirando, e se apartou
deles, temendo os que eram da circuncisão. E os outros judeus também
dissimulavam com ele, de maneira que até Barnabé se deixou levar pela sua
dissimulação. Mas, quando vi que não andavam bem e honestamente, conforme a
verdade do evangelho, disse a Pedro na presença de todos: Se tu, sendo judeu,
vives como os gentios, e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem
como judeus?'.
Aqui
está também um pecado claro e inegável, cometido por alguém que era
indubitavelmente nascido de Deus. Mas como pode isto ser reconciliado com a
afirmação de João, se tomada no sentido literal óbvio de que 'quem quer que
seja nascido de Deus, não comete pecado?'.
7.
Eu respondo, que o que tem sido longamente observado é isto: por quanto tempo 'aquele
que é nascido de Deus se mantém' (o que ele é capaz de fazer, pela graça de
Deus), 'o diabo não o toca': Mas, se ele não se mantém; se ele não
habita na fé, ele pode cometer pecado, assim como qualquer outro homem.
É
fácil, portanto, entender como algum desses filhos de Deus poderia ser movido
de sua própria firmeza, ainda que a grande verdade de Deus, declarada pelo
Apóstolo, permanecesse firme e inabalável. Ele não 'se guardou', através
daquela graça de Deus que fora suficiente para ele. Ele sentiu, passo a passo,
Primeiro, no pecado interior, não evidente, não 'estimulando o dom de Deus
que estava nele'; não 'vigiando junto à oração'; não 'pressionado
para a marca do prêmio de seu chamado sublime': Então, no pecado interior
evidente; inclinando-se à maldade, com seu coração, dando lugar a alguns
desejos ou temperamentos pecaminosos: A seguir, ele perde sua fé; seu sinal do
perdão de Deus, e, conseqüentemente, seu amor de Deus; e, estando, então, fraco
e igual a qualquer outro homem, ele é capaz de cometer, até mesmo, o pecado
exterior.
8.
Para explicar isto, através de um exemplo particular: Davi foi nascido de Deus,
e viu Deus pela fé. Ele amou a Deus na sinceridade. Ele pôde verdadeiramente
dizer: 'Quem eu tenho no céu, se não a Ti? Existe nada sobre a face da
terra', nem pessoa, nem coisa, 'que eu deseje em comparação a ti'.
Mas ainda permaneceu em seu coração aquela corrupção da natureza que é a
semente de todo o mal.
'E aconteceu que numa tarde Davi se levantou do seu
leito, e andava passeando no terraço da casa real', provavelmente orando a Deus, a
quem sua alma amava, quando ele olhou para baixo, 'e viu do terraço a uma
mulher que se estava lavando', Bate-Seba, 'e era esta mulher mui formosa
à vista' (II Samuel 11:2). Ele sentiu uma tentação; um pensamento
que tendeu para o mal. O Espírito de Deus não falhou em convencê-lo disto. Ele,
sem dúvida, ouviu e conheceu a voz que o advertia; mas ele consentiu, em alguma
medida, que o pensamento e a tentação começassem a prevalecer sobre ele. Por
meio disto, seu espírito foi manchado; ele viu Deus ainda; mas foi mais
indistinto do que antes. Ele amou a Deus ainda; mas não no mesmo grau; não com
a mesma força e ardor de afeição. Ainda assim, Deus o reprimiu novamente, e,
embora seu espírito estivesse aflito; e sua voz, mais e mais fraca, ele ainda
sussurrava: 'O pecado está à porta; olha para mim, e serás salvo'. Mas
ele não poderia ouvir: Ele olhou novamente, não para Deus, mas para o objeto
proibido, até que a natureza foi superior à graça, e incitou luxúria em sua
alma.
O
olho da sua mente estava agora fechado novamente, e Deus desapareceu de sua
vista. A fé, o intercurso divino e sobrenatural com Deus, e o amor de Deus,
cessaram: Ele, então, apressou-se como um cavalo na batalha, e, sabidamente
cometeu o pecado exterior.
9.
Você vê a evolução inquestionável da graça para o pecado: Assim, ele segue em
frente, passo a passo:
(1)
A
divina semente do amor, dominando a fé, permanece nele que é nascido de Deus. 'Ele
se guarda', pela graça de Deus, e 'não pode cometer pecado'.
(2)
A
tentação surge; quer do mundo, da carne, do diabo. Não importa.
(3)
O
Espírito de Deus o adverte que o pecado está perto, e o ordena a vigiar mais abundantemente.
(4)
Ele
cede, em algum grau, à tentação, que agora começa a se tornar agradável para
ele.
(5)
O
Espírito Santo está aflito; sua fé está enfraquecida; e seu amor a Deus
torna-se gelado.
(6)
O
Espírito o reprova mais categoricamente e diz: 'Este é o caminho, caminha tu
nele'.
(7)
Ele
foge da voz dolorosa de Deus, e ouve à voz prazerosa do tentador.
(8)
O
desejo pecaminoso começa e se espalha em sua alma, até que a fé e o amor
desaparecem: Ele é, então, capaz de cometer pecado exterior; o poder do Senhor
tendo se apartado dele.
10. Para
explicar isto por outro exemplo: O Apóstolo Pedro estava cheio de fé e de
Espírito Santo; e, por meio disto, guardando a si mesmo, ele tinha uma
consciência isenta de ofender em direção a Deus e ao homem.
Caminhando
assim, na simplicidade e sinceridade santa, 'antes que alguns tivessem
chegado da parte de Tiago, comia com os gentios' (Gálatas 2:12);
sabendo que aquilo que Deus limpou não era comum ou impuro.
Mas
'quando eles chegaram', a tentação surgiu em seu coração, 'para temer
aqueles da circuncisão', (os judeus convertidos, que eram zelosos pela
circuncisão e outros ritos da lei Mosaica), e com respeito ao favor e louvor
desses homens, mais do que o louvor de Deus.
Ele foi advertido pelo Espírito que
o pecado estava próximo: Não obstante, ele o permitiu, em algum grau, mesmo o
pecado de temor do homem; e sua fé e amor foram proporcionalmente
enfraquecidos.
Deus
o reprovou novamente por dar lugar ao diabo. Ainda assim, ele não iria escutar
atentamente a voz de seu Pastor; mas entregar-se àquele medo escravo, e por
meio disto, suprimir o Espírito.
Então, Deus desapareceu, e, a fé e o
amor, estando extintos, ele cometeu o pecado exterior. Não caminhou
corretamente, não, 'de acordo com a verdade do Evangelho'; ele 'se
separou' dos seus irmãos cristãos, e por seu exemplo pecaminoso, se não
conselho também, 'compeliu até mesmo os gentios a viverem segundo a maneira
dos judeus'; e a se envolverem novamente com aquele 'jugo da
escravidão', do qual 'Cristo os
tinha livrado'.
Assim,
é uma verdade inquestionável que ele que é nascido de Deus, guardando a si
mesmo, não pode cometer pecado; e, ainda assim, se ele não guardar a si mesmo,
ele pode cometer todas as maneiras de pecado com avidez.
III
1.
Das considerações precedentes, nós podemos apreender: Primeiro, a dar uma clara
e incontestável resposta para a questão que tem freqüentemente aturdido muitos
que foram sinceros de coração. 'O pecado precede ou segue a perda da fé?'.
Um filho de Deus, primeiro comete o pecado, e por meio disto, perde a sua fé?
Ou ele perde sua fé, antes que possa cometer pecado?
Eu
respondo que alguns pecados de omissão, pelo menos, devem necessariamente
preceder a perda da fé; alguns pecados interiores. Mas a perda da fé deve
preceder o cometer o pecado exterior.
Quanto mais algum crente examina seu
próprio coração, mais ele irá estar convencido disto: A fé que é operada pelo
amor exclui ambos o pecado interior e exterior da alma vigilante junto à
oração; que, não obstante, estejamos, mesmo então, sujeitos à tentação,
particularmente, ao pecado que facilmente nos ataca; se o olho amoroso da alma
estiver firmemente fixado em Deus, a tentação logo desaparece: Mas se não, se
nós nos afastamos de Deus, através de nosso próprio desejo (Tiago 1:14) 'Mas
cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência';
pegos pela tentação do prazer atual e prometido; então, aquele desejo,
concebido em nos, produz o pecado; e, tendo, por meio daquele pecado interior
destruído nossa fé, ele nos atira de cabeça na armadilha do diabo, de modo que
nós podemos cometer qualquer pecado exterior que seja.
2.
Em Segundo Lugar, podemos aprender o que é a vida de Deus na alma de um crente;
no que ela propriamente consiste; e o que está imediatamente e necessariamente
implícito nisto. Ela imediatamente e necessariamente implica na contínua
inspiração do Espírito de Deus; a respiração de Deus na alma, e a alma
respirando de volta o que ela primeiro recebeu de Deus; uma ação continua de
Deus sobre a alma, e uma reação da alma sobre Deus; uma presença incessante de
Deus; o amor, e perdão de Deus, manifestados para o coração, e percebidos pela
fé; e um retorno incessante do amor, louvor, e oração, oferecendo ao alto todos
os pensamentos de nossos corações, todas as palavras de nossas línguas, e todas
as obras de nossas mãos, todo nosso corpo, alma, e espírito, para serem um sacrifício
vivo, e aceitável junto a Deus em Jesus Cristo.
3. Em
Terceiro Lugar, nós podemos inferir disto, uma absoluta necessidade de
"re-ação" da alma (como quer que isto seja chamado), com o objetivo
da continuidade da vida divina nela. Porque plenamente parece que Deus não
continua a atuar sobre a alma, a menos que a alma atue sobre Deus. Ele não nos
concede, de fato, as bênçãos de sua bondade. Ele primeiro nos amou, e manifesta
a si mesmo junto a nós. Enquanto nós estamos, ainda distantes, Ele nos chama
para Si mesmo, e brilha sobre nossos corações. Mas, se nós, então, não amamos a
Ele que primeiro nos amou; se nós não ouvimos atentamente a Sua voz; se nós
tiramos nossos olhos Dele, e não atentamos para a luz que ele despeja sobre
nós; seu Espírito não irá sempre se empenhar: Ele irá gradualmente retirar-se,
e nos deixar na escuridão de nossos próprios corações. Ele não irá continuar a
respirar dentro de nossa alma, a menos que nossa alma respire em direção Dele
novamente; a menos que nosso amor e oração, e ação de graças retornem para Ele;
um sacrifício do qual Ele se agrada bem.
4. Por
fim, vamos aprender a seguir aquela direção do grande Apóstolo, a 'não
sermos condescendentes, mas temerosos'. A temer o pecado, mais do que a
morte ou o inferno. A ter um medo cuidadoso (embora que não doloroso), a fim de
que não possamos ceder ao nosso próprio coração enganoso. 'Que ele preste
atenção, para que não caia'. Mesmo ele que agora está firme na graça de
Deus; na fé que supera o mundo, pode, não obstante, cair no pecado interior, e
por meio disto, 'naufragar na sua fé'. E quão facilmente, então, o
pecado exterior irá readquirir seu domínio sobre ele! Tu, entretanto, Ó homem
de Deus! Vigia sempre, para que tu possas ouvir sempre a voz de Deus! Vigia,
para que tu possas orar sem cessar, todos os momentos, em todos os lugares,
derramando teu coração diante Dele! Assim, tu deverás sempre crer, e sempre
amar, e nunca cometer pecado.
[Editado por Kevin Farrow, estudante da
Northwest Nazarene College (Nampa, ID), com correções de George Lyons para a
Wesley Center for Applied Theology.]
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